História do Museu do CNE

Bruno Cristóvão

Bruno Cristóvão

Membro do Centro de Documentação Escutista

O Museu do Corpo Nacional de Escutas – Escutismo Católico Português (designado como “Museu do CNE”) é, atualmente, parte integrante do Centro de Documentação Escutista (em conjunto com o Arquivo Histórico e a Biblioteca Especializada), que é um departamento da Secretaria Nacional para o Ambiente e Sustentabilidade, órgão da Junta Central do Corpo Nacional de Escutas.

O Museu do CNE procura apresentar, preservar e contar a história do Corpo Nacional de Escutas, que irá celebrar em 2023 o seu 100º aniversário. Paralelamente, apesar de não ser a prioridade, o Museu na sua exposição acaba por também expor a história do Escutismo português, o Escutismo em Portugal e, em última análise, de uma forma mais geral, o Escutismo enquanto movimento mundial. Ainda que seja inerentemente vocacionado para um público ligado ao Escutismo, o Museu do CNE não define nenhum público-alvo recebendo 1.539 visitantes[1], em 2019, dos quais 189 não teriam qualquer ligação ao movimento escutista.

A missão, valores e objetivos do Museu do CNE, que se encontram introduzidos na missão, valores e objetivos do Centro de Documentação Escutista, visam a dinamização de um espaço formativo e interpretativo sobre o Corpo Nacional de Escutas e o Escutismo. Similarmente, poderá ser interpretada, como vocação do Museu do CNE a preservação da história, e memória, associativa e do movimento escutista.

O Museu do CNE acaba por ser, e ter, a tutela da coleção da associação, sendo algumas das suas valências “promover a recolha, organização, preservação e a divulgação dos acervos (…) museológicos”[2], assim como a valorização desse mesmo património. A adquirição de novas peças, apesar de ser maioritariamente composta por doações, passa também pela compra, ou mesmo troca de objetos com colecionadores.

Conteúdo

Antecedentes ao museu atual

O Corpo Nacional de Escutas desde cedo se preocupou em conservar a sua história e memórias, prova disso é a publicação de estórias vividas por antigos escuteiros na revista Flor de Lis[3], como incentivando os jovens a recriarem peças de teatro com episódios transmitidos de forma oral através de diferentes gerações, ou mesmo estimulando cada equipa a escrever um “Livro de Ouro” para registar as suas histórias e atividades. Podendo um museu ser considerado como um “lugar de memória”[4], e estando o Corpo Nacional de Escutas ciente disso, torna-se clara a vontade da associação em ter um local para guardar, zelar e divulgar as suas reminiscentes recordações. A prova viva desse cuidado com a memória associativa comprova-se com a continua criação e manutenção de “salas de exposição de ofertas e lembranças” por parte dos órgãos centrais ao longo da história da associação, com salas equivalentes nas sedes das juntas regionais e em inúmeros agrupamentos.

A vontade da criação de um museu é bastante mais antiga que o “Museu Nacional do CNE” do ano de 2010. Em 1971 há a primeira tentativa de criar um museu associativo, em Braga, para celebrar o cinquentenário do Corpo Nacional de Escutas,
contudo o projeto não se concretiza por falta de dinheiro e por falta de espaço, uma vez que o local onde seria criado o museu estaria ocupado pelos serviços regionais da Junta Regional de Braga[5]. A despeito deste objetivo nunca ter sido concretizado pela Junta Central naquela região houve, desde então, um desejo da criação de um museu escutista em Braga, a “cidade berço” do Corpo Nacional de Escutas mas por parte da Junta Regional.

O primeiro museu escutista em Portugal aberto ao público, e designado como tal, irá surgir apenas em 2006 em Dume, Região de Braga[6], não pela vontade da associação, mas pela vontade de um colecionador que, curiosamente, estava envolvido com a equipa que em 1971 tinha sido encarregue da missão da fundação de um museu sobre o CNE. Em articulação com os órgãos escutistas locais o Museu do Escutismo de Dume procura narrar a história do Escutismo. Alguns membros da associação tomavam a fundação desse museu como uma excentricidade, contudo nos primeiros 5 anos recebeu quase 4.000 visitas[7]. Este tão grande número de afluência irá, na minha opinião, ressuscitar a vontade da criação de um museu “nacional”. Todavia, a nível associativo a vontade continuou inerte até 2010, excetuando a reorganização da “sala com peças e ofertas” no edifício dos serviços centrais.

Formação, abertura e inauguração

O Museu do CNE tem a sua origem na, já mencionada, “sala das ofertas”, tanto relativamente ao seu acervo como ao seu espaço. O edifício onde se encontra o museu foi utilizado inicialmente para alojar os escritórios e armazéns da Junta Central. Que desde 2008 estava em transição para a Rua Dom Luís I[8]. Gradualmente, esse espaço nuclearizado a apenas uma sala de memória e com objetos em exposição vai expandir-se pelo restante edifício (à medida que os serviços centrais associativos iam libertando o espaço e se mudavam para outra localização). O chefe Manuel Antunes, Secretário Nacional para a Gestão, que foi quem impulsionou a criação de um local dedicado ao museu e arquivos, confessa que na altura não antevia o que o Museu do CNE se iria tornar “julgava ser só uma ou duas salas com os quadros, as bandeiras e, enfim, as ofertas que já lá se encontravam”[9]. Ainda que a ideia para a criação do museu tenha partido do chefe Manuel Antunes delegou desde logo a missão para a concretização deste projeto, acompanhando de perto, visitando-o regularmente e dando a cobertura necessária à instituição de um museu e arquivo nacionais.

Em junho de 2010 é transmitida uma circular[10] com o título “Núcleo Museológico do CNE” informando que o Corpo Nacional de Escutas procurava criar um museu para divulgar a história da associação. Nesse mesmo documento, é feito um apelo à doação de objetos e descarta-se, quase por completo, a aplicação de recursos na museografia “Nesta fase, as tarefas não são tanto as da construção de um espaço físico de exposição”. O “museu” de 2010 seria mais que uma exposição da coleção do Corpo Nacional de Escutas e dois meses após a circular de junho já existiria um espaço aberto ao público para visitas[11], devido à grande afluência na contribuição e ajuda ao que seria o futuro museu. Com a criação do Museu do CNE pretendia-se que mais do que arrumar as coleções se começasse a transmitir a história passada.

Em março de 2011, surge uma notícia na revista Flor de Lis[12] sobre o Museu do CNE (designado “espaço museológico”) onde indica que já estavam disponibilizados alguns serviços como visitas guiadas, uma biblioteca aberta para consultas e alguma inventariação de doações. A partir desse artigo é visível que o Museu do CNE começa a ganhar forma, e ser alvo de um projeto museográfico. Nesse mesmo mês é criado a nível associativo o “Departamento do Museu e Arquivos Nacionais”[13]. Contudo, não existem grandes informações sobre o mesmo, mas ao que tudo indica não existiria uma equipa responsável pela tutela do espaço, excetuando o Chefe de Departamento Jorge Câmara que irá doar a sua coleção ao Museu do CNE e cuidar do espaço. A inauguração e abertura oficial será em 10 de junho de 2012, com a presença dos órgãos centrais e regionais da associação[14]. O chefe Jorge Câmara irá organizar e definir todo o percurso expositivo do Museu do Corpo Nacional de Escutas, assim como iniciar os trabalhos de arrumo dos arquivos e biblioteca. Será também estabelecido contactos com colecionadores e o próprio museu irá organizar encontros de colecionadores escutistas.

Criação do Departamento do Património Histórico

Em 2014 o Departamento do Museu e Arquivos Nacionais é reformulado e renomeado “Departamento Nacional do Património Histórico”[15]. Nessa mudança, irá entrar uma equipa em funções com a missão de gerir e restruturar o museu, a biblioteca e o arquivo do Corpo Nacional de Escutas.

Esta primeira equipa irá preocupar-se em incorporar membros formados, ou com ligação profissional, à museologia, à gestão de arquivos e ao restauro [16]. Paralelamente irá estabelecer uma ligação com escuteiros mais velhos, antigos escuteiros e com o Clube Português de Colecionadores de Objetos Escutistas. Pela primeira vez, desde a sua formação, o Museu do CNE começa a romper os seus laços com o colecionismo, para passar a privilegiar o passado histórico da associação e investir na sua valorização e divulgação.

Apesar de tudo o Museu do CNE continuará, assiduamente, a participar e marcar presença em feiras e encontros de colecionadores escutistas para fazer trocas (com peças excedentes) e obter novas peças[17].

Primeira equipa responsável pela gestão do Museu 2014-2017

Com a constituição do Departamento Nacional do Património Histórico (DNPH) entra em funções uma equipa, composta exclusivamente com voluntários ligados ao Corpo Nacional de Escutas, que terá de delinear a estratégia a adotar durante o triénio 2014-2017. Parte do plano de trabalhos será tentar emendar, e dar resposta, a ações (ou falta delas) do passado. À vista disso, a equipa do DNPH definiu desenvolver as suas ações em quatro áreas distintas de trabalho: o colecionismo, a comunicação (externa), a dinamização (do espaço do museu) e a organização dos espaços, acervos e arquivos[18].

As primeiras ações tomadas incidiram sobre a área da comunicação. Era fulcral reforçar-se perante a associação que o “Museu Nacional do CNE” era um espaço aberto ao público, e ao serviço da comunidade, invés de um local de acumulação e de trocas entre colecionadores. O intuito seria, para além de criar uma ligação entre o visitante e a Instituição-Museu (e o seu centro de documentação que começava a ser ordenado e organizado para consulta), dar simultaneamente legitimidade àquele espaço combatendo a ideia que seria “um local fechado para guardar as relíquias [do Corpo Nacional de Escutas] [19]. A partir dos documentos disponíveis sobre as ações de comunicação e divulgação do Museu do CNE/DNPH é observável que o objetivo, o público-alvo, seria cativar visitantes quase exclusivamente a partir da comunidade escutista.

Sendo o trabalho mais prático de um museu constante, e divisível em várias valências (exposição, educação, conservação, investigação, etc.), a equipa do DNPH define objetivos anuais, sendo, na sua maioria, cumpridos. Pela leitura do Relatório do DNPH do Triénio 2014-2017 é visível que uma parte significativa das ações realizadas se inclinaram para emendar negligências com o património do CNE, consequências do desregramento associativo e da falta de formação nos campos da preservação. Sem deixarem de incentivar à doação, e alienação dos bens históricos espalhados pela associação, o DNPH irá definir primeiramente os espaços, arrumando os mesmos, e começar a catalogação do acervo já dentro de portas (cujo processo continuará até ao final do mandato).

Como medidas de atração de visitantes, e de dinamização do Museu do CNE, o DNPH irá, após a organização dos espaços, começar a compor exposições temporárias de alguns marcos e efemérides assim como celebrar o Dia Internacional dos Museus[20]. Por outro lado, e enquadrando-se em um panorama mais escutista, há a proposta de enquadramento do Museu do CNE nos trilhos pedagógicos dos vários escuteiros para ficarem a saber e conhecer a sua história. Com estas dinâmicas, e atividades, foi notória a afluência de mais, e novos, visitantes.

Não existirá, por parte da equipa do Departamento Nacional do Património Histórico uma preocupação museológica de campo teórico em refletir e definir a missão, valores ou regulamento do Museu do CNE. Conforme apontado, as suas ações serão na maioria práticas e dão primazia à preservação, dinamização do espaço e catalogação, procurando em três anos salvaguardar o património associativo um pouco negligenciado, devido ao diletantismo, por 90 anos da história do Corpo Nacional de Escutas.

O Museu do CNE e a criação de Redes de Museus Escutistas

Apesar de não ter sido o primeiro museu dedicado ao Escutismo em Portugal, o Museu do CNE, devido ao seu semblante associativo e intuito de ser um museu “nacional”, encorajou a que alguns colecionadores, ou entusiastas de história escutista, conjuntamente com órgãos associativos locais, avançassem com antigas ideias (constantemente adiadas) e criassem os seus museus. Face à existência de diversos, e dispersos, museus ligados ao Escutismo o Museu do CNE promove uma reunião com todos os responsáveis visando a criação de uma rede de articulação entre museus escutistas[21].

Contando com quatro membros ativos, a Rede de Museus Escutistas de Portugal (RMEP) assegura que cada museu mantenha “as suas características e gestão independente”[22]. Alguns dos objetivos, mais pertinentes de mencionar, da RMEP estão o incentivar a partilha de conteúdos e a promoção da formação na área da museologia entre os voluntários dos museus que a constituem, estimulando a profissionalização e o rigor. Os museus procurariam integrar também a informação existente em um único software de gestão documental comum, permitindo uma maior partilha dentro da rede e fomentando a digitalização de conteúdos.

Em 2019, Joaquim Castro Freitas é eleito para o Comité Europeu da Organização Mundial do Movimento Escutista[23]. O Museu do Corpo Nacional de Escutas, aproveitando a oportunidade de ter um membro no órgão europeu do Escutismo, em articulação com Joaquim Freitas, começa a gizar a criação de uma rede europeia de museus ligados ao Escutismo. O propósito desta rede, cujo primeiro encontro se irá realizar em outubro de 2021, será, para além de ser um elo de ligação entre os vários museus, tornar-se uma importante forma de divulgação internacional da história do Escutismo nos vários países europeus; pois apesar de existirem publicações a nível nacional sobre as suas histórias associativas raramente as mesmas são traduzidas para outras línguas tornando-se assim, por vezes, desconhecidas ou de difícil interpretação. Após um levantamento inicial, existem 38 museus que poderão tornar-se possíveis membros.

Bibliografia

  • Agência Ecclesia (março 13, 2006). Dume inaugurou o primeiro Museu Escutista. Consultado em dezembro 5,
    2020, em: https://agencia.ecclesia.pt/portal/dume-inaugurou-o-primeiro-museu-do-escutista/
  • Agência Ecclesia, via Rádio Renascença, (agosto 27, 2019). Português eleito para Comité Europeu. Consultado em dezembro 26, 2020, em: https://rr.sapo.pt/2019/08/27/religiao/escutismo-portugues-eleito-para-comite-europeu/noticia/162526/
  • Centro de Documentação Escutista (2017). Guardião da memória do CNE, a caminho do centenário….[s.l.]
  • Departamento Nacional do Património Histórico (2017). Relatório Triénio 2014-2017. [s.l.]
  • DEVALLÉES, A. & e MAIRESSE, F. (2013). Conceitos Chave da museologia. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura.
  • (2010, agosto). O Museu do CNE. Flor de Lis, Ano LXXXV / Nº. 1205, p30.
  • (2011, março). O Museu do CNE. Flor de Lis, Ano LXXXVI / Nº. 1212, p26-27.
  • (2012, julho). O Museu do CNE. Flor de Lis, Ano LXXXVII / Nº. 1228, p9.
  • MOUTA, S. (2018, julho 13). Encontro Nacional de responsáveis dos museus do CNEFlor de Lis online. Consultado em dezembro 18, 2020, em: http://www.flordelis.pt/noticia.php?cod_noticia=1652
  • Ordem de Serviço Nacional N.º 597 (março 31, 2011).
  • Ordem de Serviço Nacional N.º 634 (janeiro 31, 2011).
 
 

[1] Dados cedidos pelo Centro de Documentação Escutista.

[2] Apresentação PowerPoint do Centro de Documentação Escutista.

[3] Revista mensal mais antiga de Portugal, publicada desde 1925, é o órgão oficial de comunicação do Corpo Nacional de Escutas.

[4] DEVALLÉES, A. & e MAIRESSE, F. (2013, p. 65).

[5] Segundo Custódio Barros (comunicação pessoal, novembro 15, 2020).

[6] Agência Ecclesia (março 13, 2006).

[7] Segundo Custódio Barros, fundador do Museu do Escutismo de Dume (comunicação pessoal, novembro 15, 2020).

[8] Segundo Jorge Câmara (troca de e-mails, março 25-26, 2021)

[9] Segundo Manuel Antunes (comunicação pessoal, março 25, 2021).

[10] Circular 10-1-074 (junho 6, 2010).

[11] Flor de Lis (agosto, 2010).

[12] Flor de Lis (março, 2011).

[13] Ordem de Serviço Nacional N.º 597 (março 31, 2011).

[14] Flor de Lis (julho, 2012).

[15] Ordem de Serviço Nacional N.º 634 (janeiro 31, 2011).

[16] Departamento Nacional do Património Histórico (2017, p.3).

[17] Departamento Nacional do Património Histórico (2017, p.21).

[18] Departamento Nacional do Património Histórico (2017, p.2).

[19] Segundo Pedro Luís, chefe de departamento adjunto do DNPH (comunicação pessoal, novembro 24, 2020).

[20] Departamento Nacional do Património Histórico (2017, pp.32-37).

[21] Mouta, S. (2018, julho 13).

[22] Mouta, S. (2018, julho 13).

[23] Agência Ecclesia, via Rádio Renascença, (agosto 7, 2019).