O Arquivo do CNE

Daniel Brás

Daniel Brás

Membro do Centro de Documentação Escutista

O CNE teve desde cedo um cuidado com a preservação e organização dos seus arquivos. Uma primeira preocupação, plasmada nos regulamentos e pequenas notícias da Flor de Lis, motivada não ainda pelas, cada vez mais atuais, questões de preservação e valorização de Memória ou História, mas pela necessidade de gerir a crescente produção de informação à medida que a associação crescia.
Além disso, quando referimos o “Arquivo do CNE” centramos a nossa atenção no arquivo das estruturas centrais/nacionais da associação pois desde as suas origens o CNE se constituiu como uma entidade pluricelular e descentralizada, com várias estruturas regionais e locais autónomas com os seus respetivos sistemas de informação e arquivos.

Conteúdo

1927

Sinal do cuidado e papel dos arquivos nos primórdios da associação é a referência no Regulamento Geral de 1927 da existência dos designados Chefes de Administração que tinham funções como “ter em ordem o arquivo, a biblioteca e o museu” (Artigo 81º). Com a evolução do CNE a categoria de Chefe de Administração desapareceria, mas o cuidado com os arquivos ou a gestão da informação documental continuaria a ser confiado à alguns cargos específicos como os secretários nas patrulhas e nos Agrupamentos. Para estes seriam publicados vários artigos na Flor de Lis com instruções e “dicas”, como quadros de classificação ou lista de documentos a preservar, para a melhor organização das próprias secretarias e respetivos arquivos.

1931

Sobre o arquivo “central” do CNE, a Flor de Lis daria, em janeiro de 1931, notícia de uma reorganização do arquivo da associação localizado na Sede Central, no edifício atual da Sede Regional em Braga:

“Somos informados de que na Sede Central se trabalha já há meses numa nova organização dos arquivos julgados indispensáveis na associação. Assim foi feito e convenientemente disposto em livro próprio o arquivo de tudo quanto a imprensa tem dito até hoje do nosso movimento, desde o seu início, num catálogo de todos os dirigentes que tem ocupado cargos nas juntas regionais, direções de núcleos, grupos e alcateias com as datas das nomeações e demissões, um álbum com todas as fotografias referentes ao movimento que foi possível obter e que são já centenas, o registo de todos os prémios concedidos, uma nova disposição dos documentos oficiais arquivados para mais uma fácil consulta etc. Só temos que felicitar os realizadores de tão importante trabalho.” (Flor de Lis >janeiro 1931)

1933

E nos anos seguintes continuaria a ser produzida cada vez mais informação impondo um constante trabalho de organização do arquivo que dependia da Secretaria Nacional:

“Secretaria – O movimento da Secretaria na Sede Central continua a ser muito intenso não só no que diz respeito ou expediente que é sempre muito numeroso, mas também nos serviços de arquivo que no último ano foram completados com registo de tudo o que de certa importância até hoje tem sido escrito sobre o CNS e outro de todas as fotografias que foi possível conseguir-se em todo o país” (Flor de Lis >junho 1933)

Destas breves referências constatamos que o arquivo não existia como serviço ou departamento independente, mas estava ligado normalmente ao serviço de secretaria/serviços centrais da associação.

A par da organização do arquivo central do CNE verifica-se, através de várias referências na Flor de Lis, um cuidado pela organização, ordem e preservação dos arquivos das restantes estruturas desde as patrulhas, Grupos / Agrupamentos, Núcleos e Regiões. Esforço que se traduzia em inspeções feitas aos grupos aquando de celebrações ou visitas, verificando sempre as condições e arrumação da secretaria/arquivo, ou a indicação dos documentos considerados obrigatórios/essenciais para o funcionamento e atividade dos grupos.

1936

Outra tendência constatada seria a da separação e autonomização da redação da própria Flor de Lis do sistema de informação dos Serviços Centrais resultando na criação de um arquivo próprio ao serviço. Situação referida algumas vezes, sobretudo quando existiam dificuldades de comunicação ou erros na transmissão de informação entre os diferentes serviços. Realidade exemplificada numa nota de outubro de 1936: Houve confusão, mas o engano é perfeitamente justificável, se atendermos a que a Redacção da “Flor de Lis” e a Sede Central onde estão os arquivos, são cousas diversas (Flor de Lis, outubro 1936).

1938

Neste arquivo da Flor de Lis destacar-se-ia uma coleção de gravuras mencionadas várias vezes: A Redacção de “A Flor de Lis” andou a revolver o arquivo das gravuras que tem em depósito. Encontraram-se muitas interessantes que se irão republicando quando surgir oportunidade. (Flor de Lis, fevereiro 1938); Até ao presente já adquirimos 853 zinco -gravuras. Comprámos um ficheiro metálico e organizámos as fichas de todos os assinantes. A Administração foi dotada com um bom armário para o seu arquivo (Flor de Lis, fevereiro 1938).

1950

Com a transferência da Junta e Serviços Centrais para Lisboa, em 1950, o arquivo terá seguido os mesmos para a capital. Acompanharia posteriormente as diferentes mudanças de instalações e edifícios, momentos que poderão ter provocado possíveis perdas ou fragmentações do acervo, como habitual em situações semelhantes.

1951

Em 1951, ao fazer um balanço do ano escutista surge uma referência ao possível papel do arquivo do CNE e da sua informação para o estudo histórico: Regista-se um sinal de perpetuidade, e para mais fácil orientação de futuro, um ligeiro apontamento de que nos arquivos da Sede Central se guarda para os curiosos de algum dia, e amadores de “arquivologia” (Flor de Lis, novembro 1951). No entanto, seriam necessárias várias décadas para a perspetiva histórica (dos arquivos) se impor e ser desenvolvida efetivamente no CNE.

1984

Em 1984 seria criado, com a Ordem de Serviço Nacional n.º 399, o Departamento de Documentação Escutista. Um departamento que poderia ser, à primeira vista, considerado o responsável pela gestão da documentação / arquivo da associação. No entanto, as iniciativas desenvolvidas pelo DDE seriam centradas na recolha e divulgação de publicações escutistas como referido pelos próprios responsáveis: Colecionar e divulgar é a tónica que anima o DDE (Flor de Lis, agosto 1984). O Departamento de Documentação funcionaria na sede do CNE, na Rua da Fé, oferecendo um espaço para a consulta de publicações escutistas nacionais e internacionais funcionando com uma espécie de biblioteca, que contava em 1986 com 1004 publicações. As referências existentes ao DDE ao longo da década de 80 aparentam evidenciar que o mesmo nunca geriu propriamente o arquivo do CNE, tendo a sua ação centrando-se essencialmente na informação publicada (livros e revistas) e não a produzida ou acumulada pelo CNE no âmbito do seu funcionamento.

1994

Entretanto, em 1994 uma reportagem com a descrição de um percurso pela Sede Nacional, agora no edifício da rua Dom Luís adquirido pelo CNE em 1988, permite saber que existiam diferentes espaços que albergavam documentação ou “partes” do arquivo do CNE. Um primeiro, talvez correspondente ao que comumente se tem vindo a designar arquivo histórico ou morto, localizado no último piso onde se guardava arquivos mortos e documentação vinda da Rua da Fé; no segundo piso encontrar-se-ia a Redacção da Flor de Lis e arquivo da revista e noutro espaço uma área importante para estantes de Departamento de Documentação Escutista, onde existem publicações escutistas anteriores à fundação do CNE. No primeiro andar, onde funcionava a secretaria, é possível que existisse o arquivo da documentação mais recente, chamado arquivo corrente, uma vez que a secretaria dos serviços centrais movimentava muita informação como referido: cerca de 4500 cartas recebidas ou enviadas, uma centena de circulares, mais de 3500 cartões de filiação, 527 cartas internacionais, “entrada e saída” do activo de mil Dirigentes” (Flor de Lis, março 1994).

1998

As referências ao Departamento de Documentação Escutista na Flor de Lis desapareceriam na década de 90. Quase ao mesmo tempo surgiriam notícias da criação de um Centro de Documentação Escutista pela Fraternidade Nuno Álvares (FNA). Uma iniciativa muito próxima do DDE do CNE, mas com um âmbito maior procurando reunir publicações, relatórios, cassetes, vídeos… Em outubro de 1998 o Centro de Documentação da FNA reunia já 1200 documentos e procurava criar uma rede de centros, da FNA e do CNE, para facilitar a localização e consulta de documentação. As notícias do funcionamento do CDE da Fraternidade chegariam até ao ano 2000 com referências aos esforços para catalogar e divulgar o acervo e a sua consulta por elementos do CNE, da FNA e universitários para a realização de trabalhos.

2005

Apesar de o Centro de Documentação Escutista da FNA ter sido uma iniciativa própria dos antigos escuteiros e não ter envolvido a gestão ou transferência de documentação do CNE, é interessante e importante sublinhar o surgimento de duas ações semelhantes nas duas associações num mesmo período. Situação que evidência a necessidade sentida de reunir, recensear e disponibilizar informação escutistas. Ainda não se tratava de um trabalho para a realização de estudos ou investigações históricas, mas estas iniciativas contribuiriam para a criação de polos e acervos documentais. A semelhança do DDE, as referências ao Centro de Documentação da FNA parariam na Flor de Lis. Contudo, em 2005 a FNA afirmaria, num outro contexto, o objetivo de preservar a memória escutista, sendo que entre as suas tarefas para o “Apoio ao CNE” incluíam: “Organizar arquivos e/ou museus e/ou bibliotecas para o Escutismo e ocuparem-se da sua manutenção” (fevereiro 2005)

2012

Décadas após a iniciativa do Departamento de Documentação Escutista, seria criado, com a Ordem de Serviço Nacional n.º 597, o Departamento do Museu e Arquivos Nacionais, em 2011. Um departamento que teria uma ação sobretudo focada e importante para a criação do Museu Nacional do CNE em 2012. No entanto, a menção dos arquivos permite indicar a consciência da importância dos mesmos para a História da associação, juntamente com o Museu. Consideramos ainda que a utilização do plural em “arquivos nacionais” representa o reconhecimento por parte da tutela, a Junta Central, da existência não de um arquivo único, mas vários arquivos na associação, como temos vindo a evidenciar.

 

2014

Em 2014 o departamento seria reformulado adotando a designação de Departamento Nacional do Património Histórico. O departamento contaria com uma nova equipa e visão holística procedendo a reestruturação do museu, biblioteca e arquivo. O foco e missão evoluiria igualmente perdendo o foco colecionista, observado nos departamentos anteriores, para promover o estudo e valorização da História do CNE. Seriam promovidas iniciativas para a inventariação, reunião e preservação dos diferentes acervos da associação, incluindo o arquivo. Arquivo que seria transferido para as instalações do CDE/Museu do CNE após ter acompanhado as mudanças da Sede Nacional/Junta Central.

2017

O Departamento Nacional do Património Histórico seria substituído, em 2017, pelo Centro de Documentação Escutista, tutelado pela Secretaria Nacional do Ambiente e Sustentabilidade. O CDE manteria a gestão do Museu, Biblioteca e Arquivo do CNE promovendo a sua preservação e valorização dentro e fora da associação.

Atualidade

A par da sua ação e atividade interna, o CDE tem desenvolvido a colaboração com académicos e investigadores para apoiar a realização de estudos sobre o escutismo, o CNE ou a sua ação. Neste contexto, foram desenvolvidos e acolhidos estágios académicos realizados nas instalações e sobre o espólio do CDE como a catalogação do arquivo.

Atualmente, o Centro de Documentação Escutista promove uma nova etapa para o arquivo do CNE com a digitalização e disponibilização online do seu acervo para a consulta de associados e agentes externos, como investigadores de diversas áreas. Um esforço para preservar e acima de tudo divulgar e facilitar o acesso à informação da quase centenária e maior associação de juventude de Portugal.

Além da digitalização do arquivo depositado nas suas instalações, o CDE pretende ainda, durante o triénio 2020-2023, apoiar e promover junto das diferentes estruturas do CNE o cuidado com a inventariação, preservação e valorização dos diferentes arquivos e informação dos Agrupamento, Núcleos e Regiões. Para tal, desenvolvem-se esforços na produção de documentos técnicos e orientações para que cada estrutura possa gerir com maior rigor os seus acervos, que constituem partes essenciais do vasto e rico património documental do CNE.